Sobre morar sozinha

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Eu sempre brinco que a vida nunca pegou leve comigo, mas no fim das contas, acho que se pudesse escolher não teria feito quase nada diferente. Tive a sorte de ter desde muito cedo na vida um exemplo muito próximo de luta, garra e vontade de vencer: minha irmã especial sempre me fez pensar duas vezes antes de reclamar de qualquer coisa. 

Na minha vida, tudo que eu não podia ter ou fazer pelos métodos mais simples e tradicionais, tentei descobrir como conseguir chegar lá por outro caminho, mesmo que um pouco mais complicado. Como quando eu quis fazer um intercâmbio, por exemplo, e meus pais não tinham o dinheiro suficiente para isso: consegui uma bolsa com muito estudo, trabalho voluntário e apoio de familiares e amigos.

Ter morado longe da família aos 17 anos me trouxe uma maturidade precoce e uma experiência inesquecível, além de ter tornado a volta para a casa dos meus pais um tanto quanto complicada. Como se não bastasse a dificuldade da readaptação com cabeça mudada e velhos hábitos do interior de SP, meus pais estavam se separando. Entre motivos que aqui não cabem exposição, discordei da posição de ambos em relação ao tratamento do divórcio e decidi que era minha hora de aproveitar o turbilhão de mudanças que minha família de comercial de margarina agora se tornaria.

Por sorte, na época eu já estava cursando uma faculdade pública e tinha um emprego bom e estável, fatores que colaboraram muito no meu desmame. Foi difícil: minha mãe não quis aceitar e assumiu uma postura agressiva, enquanto meu pai não esboçou reação qualquer. Pela primeira vez era eu, e eu mesma.

A casa que aluguei era de fundos, pequena, mal acabada. Os móveis eram velhos, minhas coisas cabiam todas num guarda-roupa verde-brega de duas portas. Mas era meu canto, e eu tinha orgulho dele. Foi onde eu aprendi a lavar roupa. Onde eu aprendi a cozinhar (sério, eu nunca tinha feito nem gelatina na vida toda!), a economizar dinheiro, a fazer lista de compras de supermercado, a trocar resistência de chuveiro. Foi ali que manchei meu primeiro vestido com alvejante, que queimei meu primeiro feijão, que quase incendiei a casa com um chuveiro de voltagem errada. Foi ali que aprendi que não tinha mais meu pai pra matar a barata quando ela aparecesse.

Foram tempos difíceis. Como ter 18 anos e decidir que pagar a conta de luz é mais importante que ir pro bar com os amigos? Como deixar de ir no show da banda que você mais gostava porque o aluguel vencia na mesma semana? Como passar a comprar coisas mais baratas e de qualidade inferior, já que agora elas não apareciam magicamente na despensa? Eu passei fome. Eu chorei dias a fio. Eu quis voltar pra casa da minha mãe.

Mas eu tenho sorte de ser virginiana orgulhosa e teimosa que não gosta de dar o braço a torcer. Eu venci mais um pouquinho. Eu ajustei as contas, amadureci as escolhas, redefini minhas prioridades. Tanto que, um ano depois, financiei minha primeira casa. O canto pra chamar de meu. Pra ser lar. Pra pintar a parede da cor que eu quisesse e fazer furo onde bem entendesse. Festas intermináveis, ótimas lembranças e um orgulho extremo quando os amigos elogiavam a conquista.

Aí a vida me quis em Porto Alegre e eu, que não tinha nada a perder, fui. Aluguei minha casinha pra um brother, me aventurei rumo ao RS. E que lugar lindo! De cara me apaixonei por lá: foram 6 meses de aluguel num kitnet pequeno, até decidir vender a casa do interior e financiar um apartamento super fofo em Porto Alegre. Meu Deus, como eu me senti adulta assinando mais um contrato! E não tenho do que reclamar não. Fui feliz ali por alguns anos: casei, separei, mudei de profissão e adicionei um gato e dois MBAs no currículo.

Foi quando SP apareceu na minha vida. Essa cidade que traz misto de amor e ódio, que acolhe, mas engole as pessoas. Vim na ideia de ficar apenas uns meses. Dividia apê com um amigo muito louco e divertido e tive minhas mais longas noites e conversas divagatórias com ele. Mas o tempo passou e SP foi me conquistando. Vendi meu apê de POA e vim buscar um canto só meu.

Hoje, sei que ainda estou bem longe de onde quero chegar, mas agradeço tudo que já passei. E é com muito orgulho que são 6 anos de SP, 5 empregos, 2 cachorros, 1 carro com valor sentimental inestimável (comprei do vovô, que hoje mora no céu), amigos espalhados pelo Brasil todo e este apartamento do meu jeitinho, com minha cara e bagagem emocional acumulada de uma vida inteira pra contar. Meu canto, meu lar.

O mais engraçado? Alguns ainda dizem que foi sorte….

Post originalmente escrito para o Blog Morar Sozinho.

autor: Amanda Armelin

Bocuda, nerd, tatuada. Cervejeira de carteirinha e louca por cachorros (principalmente bulldogs). Além do sorriso no rosto, mantém paixão absoluta por bacon e sexo.

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